Flordelis é condenada a 50 anos pela morte do pastor Anderson do Carmo

13/11/2022

O Conselho de Sentença do Tribunal do Juri de Niterói condenou Flordelis dos Santos pela morte do pastor Anderson do Carmo, morto em 2019. Ao todo, o julgamento levou sete dias, um dos mais longos da história fluminense, e a última sessão durou quase 24 horas. A pastora recebeu pena de 50 anos e 28 dias de prisão pelos crimes de homicídio, tentativa de homicídio (por tentativas de envenenar a vitima), uso de documento falso (pelo plano de uma carta fraudada) e associação criminosa armada.

Além da pastora, foi condenada sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues. Ela recebeu pena de 31 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de homicídio, tentativa de homicídio e associação criminosa armada. Os outros três réus - Marzy Teixeira, André Luiz de Oliveira e Rayane dos Santos - foram absolvidos.

O advogado Rodrigo Faucz, que defende Flordelis, Marzy, Rayane e André, afirmou que a ex-deputada já entrou condenada em seu julgamento, em razão da repercussão do caso.

- Tivemos, das nossas quatro clientes, três absolvidas e uma condenada, a Flordelis. Era uma condenação esperada, tendo em vista que a opinião pública era majoritariamente contrária a ela. Isso impacta nos jurados. Até porque são seres humanos, são pessoas que conviveram esse tempo todo com notícias, com acontecimentos ligados ao fato. É muito difícil não relacionar uma coisa à outra.

Faucz acrescentou que vai entrar com recurso para anular o júri, em razão de duas irregularidades ocorridas em plenário. A primeira delas, a exibição de um documento pelo Ministério Público que não estava no processo. A segunda, pelo fato do assistente de acusação, advogado Angelo Máximo, ter feito questionamento ao silêncio dos acusados em sua sustentação, o que é vedado pelo Código de Processo Penal.

O juri é composto por sete moradores de Niterói, quatro homens e três mulheres, que não necessariamente têm formação jurídica.

Flordelis alegou sofrer abuso

Flordelis dos Santos foi interrogada neste sábado por cerca de uma hora. A ex-deputada respondeu apenas as perguntas feitas por sua defesa e dos jurados - ela se recusou a ser questionada pelo Ministério Público e pelo assistente de acusação - o que é um direito do réu. Em momentos, respondendo com voz trêmula, a pastora foi perguntada por um jurado se o choro era real. Ela disse que sim.

Apesar de dizer não saber quem matou seu marido, Flordelis contou que a motivação do crime foram os supostos abusos cometidos por Anderson do Carmo. A ex-deputada afirma que não sabia dos episódios antes do assassinato e também acusou o marido de abusá-la sexualmente. No entanto, minutos mais tarde, também no seu interrogatório, Rayane contradisse a avó ao afirmar que em 2016 contou à ex-deputada sobre um abuso sofrido por Kelly, uma das filhas adotivas de Flordelis, mas a pastora não acreditou.

- No início do nosso casamento era muito bom, foi um início muito bom. Quero ressaltar que estava casando por causa dos problemas muito fortes que tinha na época. Sempre tive costume de assinar documentos sem ler. Depois de casada, começou a me bater. Ele me batia. Depois ele parou com essa prática de me bater. Depois ele se tornou uma coisa assim, muito doída, muito sofrida.

Uma das acusações que os réus enfrentam é sobre uma tentativa de envenenamento do pastor antes de seu assassinato. Segundo as investigações, em uma mensagem enviada por um telefone da filha, Flordelis teria dito não poder se separar do marido para não "escandalizar". Para seu filho André, que senta ao seu lado no banco dos réus, ela teria pedido ajuda "para dar um fim nisso", se referindo a Anderson do Carmo. Questionada pelos jurados, ela não negou a autoria das mensagens, mas que não seria para envenenar:

- Essas coisas que estão falando não é verdade. Quando eu disse para dar a comida para ele, era porque meu marido estava doente. Ele tomava remédios. Tenho todos os exames. Ele só ia ao hospital obrigado - disse.

Após o interrogatório dos réus, começará os debates entre a defesa e a acusação. Caso o julgamento não seja interrompido, os debates devem ser feitos na noite deste sábado e na madrugada madrugada de domingo. Primeiro terá palavra a acusação - promotor de Justiça e em seguida o assistente de acusação. Eles poderão falar por duas horas e meia, dividindo esse tempo, pedindo pela absolvição ou condenação dos réus. Depois, terão direito a falar também por duas horas e meia a defesa dos acusados. Eles terão que dividir o tempo total disponível. Os mesmos advogados defendem Flordelis, Rayane, André e Marzy. Apenas Simone é representada por outra advogada, Daniela Grégio.

Após a explanação da defesa, MP e assistente de acusação terão duas horas de réplica e, em seguida, os advogados terão mais duas horas de tréplica. Devido ao número de réus, a defesa deve pedir que o tempo do debate seja aumentado.

Os jurados votarão quesitos, formulados pela juíza, sobre a existência ou não do crime, autoria ou participação dos réus, se devem ser absolvidos, se existem causas de aumento de pena, entre outros. A votação acontece na chamada sala secreta. Após a votação, a magistrada elabora a sentença e estipula a pena, de acordo com os quesitos votados pelos jurados.

Nos primeiros cinco dias de júri, Flordelis passou a maior parte do tempo de cabeça baixa. A pastora pouco se comunicou com seus advogados ou com os outros réus. Enrolada em uma manta bege e com um casaco da mesma cor, se emocionou no depoimento de Wagner Pimenta, o Misael, e passou mal. Ele foi um dos primeiros filhos a apontar a mãe como suposta mandante do crime ainda na fase de investigação policial.

Em um raro momento em que se ouviu a voz da ex-deputada no plenário, Flordelis pediu desculpas. Foi enquanto o desembargador Siro Darlan contava como acompanhou a família nos anos 1990, quando era juiz da Vara da Infância e Adolescência no Rio. A pastora, chorando, pediu para sair do plenário. Enquanto deixava a sala, falou a Siro:

- Me perdoa, doutor Siro, obrigada por tudo que você fez por mim. Sou inocente. Estou muito envergonhada - disse Flordelis, que naquele dia não retornou mais ao julgamento.

Os depoimentos de defesa e acusação ao longo dos primeiros dias anteciparam as teses que devem ser debatidas entre os advogados e promotores.

O Ministério Público levou ao julgamento pessoas que apontaram problemas de relacionamento entre Flordelis e Anderson do Carmo. As brigas tinham, segundo os depoimentos, relação com o controle financeiro e poder que o pastor tinha, que geraria descontentamento da ex-deputada e dos filhos mais próximos. Uma das filhas afetivas do casal disse aos jurados que as desavenças começaram quando a pastora começou a ganhar dinheiro. Para outros filhos, a ex-deputada forçou chorar na noite do crime e no velório. Luana Vedovi, "nora" de Flordelis , afirmou que ela "profetizava" a morte do pastor e que Anderson descobriu um plano para matá-lo em um episódio "digno de Os Trapalhões".

- Um dia, deitada na cama, Flordelis escreveu no Ipad (do pastor Anderson do Carmo) e disse para mandar para o Lucas (filho afetivo). Mandou a mensagem para o Lucas e por algum motivo não apagou. Parece os Trapalhões, na verdade. Por algum motivo, não apagaram a mensagem do Ipad dele e ficou em tudo que é lugar. No celular, Ipad, e-mail. E ele viu - contou Luana.

As defesas dos acusados levaram testemunhas que denunciaram ter sofrido abusos sexuais ou terem notícias de que Anderson os cometeu na casa da família. Última a depor, Rafaela Oliveira, filha da ré Simone dos Santos e neta de Flordelis, revelou ter sido estuprada pelo pastor quando ainda era adolescente.

- Estava dormindo e comecei a sentir carinho na minha perna, mas achei que era minha mãe. Senti subindo e despertei. Nisso, Anderson puxou minha calcinha de lado e introduziu o dedo em mim. Virei de lado rápido e minha mãe levantou. Ele só foi embora como se nada tivesse acontecido - relatou.

Três peritos indicados pela defesa também prestaram depoimento aos jurados. O psiquiatra Hewdy Lobo afirmou ter ouvido relatos de Flordelis de que sofreu violência física, praticada por Anderson, no início do relacionamento. Após um tempo sem agressões, marido voltou a agredi-la, principalmente durante o sexo, e alegou que Anderson chegou a ter relação sexual com ela sem consentimento.

Já o médico legista Sami Abder - que atuou no caso Henry Borel - apontou erros em laudos da morte do pastor. Abder também disse que os exames médicos de Anderson antes de sua morte refutam a tese que ele teria sido vítima de envenenamento.

Fonte: O EXTRA